sábado, 1 de setembro de 2012

Histórias secretas de Playboy: o dia em que Pelé foi, pessoalmente, recolher todas as fotos de Xuxa

O premiado jornalista Ricardo Setti foi diretor de redação de "Playboy" de 1994 a 1999, um período muito rico, que deu resultados muito positivos para a Editora Abril e rendeu muitas histórias que ele nunca contou. Pois bem, recentemente, resolveu divulgar as “histórias secretas” da revista Playboy no seu blog http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti. O texto que segue foi inteiramente baseado  no seu blog.

Xuxa abraçando Pelé nos bons tempos:
 namoro foi de 1981 a 1986

De repente, ali estava ele: o sorriso planetariamente conhecido, o topete típico, inimitável, metido dentro de um estranho traje entre o terno e um conjunto esportivo, com calças e uma espécie de paletó ou casaco sem gola e do mesmo material: couro macio azul. No mais, uma camiseta cinza clara também sem gola, sapatos pretos reluzentes, um relógio vistoso no pulso esquerdo. 

O Rei, o Atleta do Século, o mago, o mito. O homem mais famoso do mundo, Pelé, acabara de chegar a uma sala no 6º andar da na época sede da Editora Abril, na Avenida Marginal do Tietê, em São Paulo, naquela tarde de um dia de um determinado mês, provavelmente maio, de 1985.

A missão do Rei: recolher todas as fotos de Xuxa nua

Pelé abrira espaço na sua movimentadíssima agenda para uma missão de caráter pessoal: recolher, ele mesmo, todos os cromos (slides) e negativos de todas as fotos em que Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, namorada do Rei desde 1981, aparecia nua nas páginas de Playboy. Xuxa, àquela altura, ultrapassara de longe a categoria de estrelinha em busca de popularidade, que exibia o corpo no Carnaval e surgia seminua ou despida em revistas, e se consolidava havia dois anos na TV como a apresentadora de programas infantis que se tornaria a “Rainha dos Baixinhos”.


Preocupada com sua nova imagem, Xuxa, que posara nua em cinco oportunidades para uma concorrente de Playboy de circulação menor, a extinta Ele & Ela, da Bloch Editores, não queria deixar rastros dessa fase de sua vida. Pelo que Setti entendeu da conversa, as fotos da revista dos Bloch já haviam retornado a suas mãos, já que ela era a grande atração da também já extinta Rede Manchete de Televisão, do mesmo grupo. (Xuxa iria se transferir no ano seguinte, 1986, para a Globo, onde trabalha até hoje. No mesmo ano terminaria seu longo caso com Pelé).

Apagar o passado de símbolo sexual 

A reunião na Editora Abril ia na mesma linha de apagar o passado da estrela como símbolo sexual. E Xuxa jogara pesado: enviara ninguém menos do que Pelé como seu emissário. A reunião fora acertada entre Pelé e o diretor de Redação na época, o quase legendário Mário Escobar de Andrade, que comandou direta ou indiretamente a revista desde pouco tempo após o lançamento, em 1975, até falecer de forma prematura em 1991. 

Depois de atravessar com paciência o torvelinho de assédio a que estava inteiramente acostumado há décadas, o Rei chegou à sala sem assessores ou advogados, acompanhado apenas de seu irmão, Jair Arantes de Nascimento, o Zoca, dois anos mais novo, que funcionava como uma espécie de assessor pessoal. Feitas as apresentações, todos se sentaram e, após alguns minutos de "small talk", Mário foi à luta. 

Xuxa e Pelé no coquetel oferecido à colônia brasileira
 em Nova York, no dia 27 de setembro de 1982
Sempre cativante e diplomático, como de seu feitio, Mário de Andrade começou elogiando Pelé pelo que representava para o Brasil e por sua simplicidade a despeito da fama, agradecendo o fato de ter vindo pessoalmente à Abril. Disse que a devolução das fotos era uma deferência especial a ele, Pelé, e também uma consideração para com Xuxa. 

Lá pelas tantas na conversa, Mário de Andrade introduziu espertamente um tema: Playboy completaria 10 anos de existência no mês de agosto daquele ano. Um perfil de Pelé em Nova York – onde ele vivia a maior parte do tempo, como executivo da Warner Communications – seria perfeito para a edição especial planejada. Pelé não poderia, em troca da gentileza da devolução das fotos, atender com especial atenção a um jornalista da publicação, “abrindo” sua vida de maneira mais livre do que costumava fazer com jornalistas?

Pelé aceita abrir sua vida para o editor Nirlando Beirão 

Pelé topou e Mário, rápido, já indicou quem iria procurá-lo: o editor Nirlando Beirão que, além de ser um dos melhores jornalistas do país já na época, era (e é) um gentleman impecável, diante de cuja inteligência, simpatia e magnetismo pessoal os entrevistados não costumavam resistir.

Xuxa na edição de 7º aniversário de "Playboy":
 "As fotos que Pelé quase proibiu"
O dr. Edgard, que pouco interveio durante o encontro porque, experiente, percebeu que as coisas andavam bem, diante do acerto amigável estendeu a Pelé minutas de contrato previamente preparadas para sacramentar a devolução das fotos, pelas quais o Rei se tornou responsável. Mário passou a Pelé um envelope com as fotos de Xuxa. 

Não era tanto material como muita gente poderia imaginar. Xuxa, na verdade, protagonizou apenas um único ensaio para Playboy, publicado na edição de 7º aniversário, em agosto de 1982, e ao lado da irmã Maruska. As chamadas de capa falavam em “Segredo de família” e “As fotos que Pelé quase proibiu”. Fotos desse ensaio, algumas inéditas, seriam depois republicadas, em diferentes edições. A última de todas seria um pôster na edição de 10º aniversário, concessão que Mário obteve de Pelé no finzinho da reunião. 

A reunião toda entre Pelé, Mário de Andrade e Edgard de Silvio Faria, presenciada por mim e por Zoca, não durou uma hora. Mário, por via das dúvidas, anotou todos os telefones de Pelé para passar a Nirlando. 

Feitas as despedidas, Mário e eu, em meio a novo alarido pelos corredores da Abril, acompanhamos Pelé até o térreo, onde um carro com motorista o esperava. 

Pelé em Nova York: um belo apartamento, casa em meio a milionários, um Cadillac com motorista, amigo de Robert Redford e Muhammad Ali 

O resultado da negociação, para Playboy, seria um perfil espetacular publicado na edição de 10º aniversário, em agosto de 1985, escrito por Nirlando Beirão sob o título “A Vida do Rei em Nova York”

Preciso contar a vocês, amigos do blog, um pouco do que contém essa matéria, diz Ricardo. 

Pelé para Nirlando: “Um dia desses, descendo para almoçar, acho que no Charley O’s da rua 48, com o Robert Redford, estávamos eu e ele na rua, e ele, de repente, espantado, me disse: ‘Fuck, man, how popular you are!’ Também pudera: eu já tinha dado uns dez autógrafos e ele, o Robert Redford, nenhum”. 

O grande ator era amigo e vizinho de escritório de Pelé — no mesmo prédio, no mesmo andar. 

Pelé para Nirlando: “A Jackie Kennedy me cumprimentou, e na mesma hora senti aqueles olhares em volta, como se o pessoal estivesse pensando: ‘Pô, o crioulo está com tudo’, e eu lá, pensando, ‘Ela nem é bonita, nem dá tesão’”. 

Pelé para Nirlando: “Estraçalhei o [cineasta Steven] Spielberg numa partida de tênis em East Hampton [paradisíaco reduto de milionários à beira-mar em Long Island, próximo a Nova York] ele não acerta uma bola…” 

Pelé para Nirlando: “Uma noite, indo jantar, eu e o [extraordinário campeão mundial dos pesos-pesados Muhammad] Ali (…). “Ele chorou na minha festa de despedida”. 

Vivia na Rua 54, esquina com a Segunda Avenida, num apartamento igualmente presenteado pela Warner, de dois salões e três quartos, para o qual se mudara seis anos antes, depois de separado da primeira mulher, Rose Cholby do Nascimento – processo penoso, caro e lento que levou dois anos para terminar. 

120 mil quilômetros viajados em 6 meses e 14 passaportes cheios de vistos

Para ter e dispor de tudo isso, o homem trabalhava duro, verificou Nirlando. Pelé a essa altura da vida passava sete meses no circuito Nova York-Europa e cinco meses fazendo do Brasil ponte para viagens. (No Brasil, possuía uma grande casa em Santos, sua cidade de adoção, cedida aos pais, uma casa e uma cobertura em São Paulo e a casa recém-inaugurada no Guarujá, litoral paulista, onde vive até hoje). 

Nem havia terminado aquele primeiro semestre de 1985 e o Atleta do Século já viajara 120 mil quilômetros de avião, em primeira classe, naturalmente, algo como 134 horas de voo. 

Do Brasil para Nova York e vice-versa inúmeras vezes, e de Nova York para Los Angeles, Tóquio (duas vezes), Frankfurt, Munique, Londres, Paris, Sidney (Austrália), Nairobi (Quênia), Kampala (Uganda), as ilhas caribenhas de Saint Thomas e Guadalupe, Assunção (Paraguai) e Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), com compromissos já agendados para países como a Arábia Saudita e, uma vez mais, a Austrália. 

Não é de estranhar que, àquela altura, já acumulasse 14 passaportes repletos de vistos e carimbos de entrada e de saída. Achava tempo, no entanto, para praticar judô e karatê. 

Quanto ganhava o Rei? Bom de drible, Pelé desconversou, mas deu pistas. “Uma nota”, reconheceu. “Mas não dá para calcular porque o forte é o que vem em royalties, faturamento de publicidade, de merchandising”. Calculava ter 50 pessoas trabalhando com ele na Warner, sem contar seus representantes pessoais em países como o Japão e a Inglaterra. Precursor em relação ao que enche os bolsos dos atletas de hoje, há 25 anos a gigante de alemã de artigos esportivos já havia lançado toda uma linha de chuteiras com seu nome. 

Xuxa era virgem quando se conheceram

Xuxa sentada no colo de Pelé, na residência
de Alfredo Saad, em janeiro de 1986
Naturalmente a conversa abordou o tema Xuxa. Pelé contou que a conheceu durante uma foto de capa para a falecida revista Manchete intitulada “Gaiola de Ouro”, abordando a recém-adquirida liberdade do Rei como homem solteiro. Posou com quatro modelos, entre as quais Xuxa e Luíza Brunet. Jogou seu olho comprido em direção a Luíza, convidou-a para ir a um show no Canecão e recebeu um fora: mesmo com 17 anos, a Brunet era casada. 

Mais tarde, sairia com Xuxa em um grupo, até que a convidou para uma festa na casa do empresário Alfredo Saad à qual precisou levar também os pais e o irmão da modelinho, então com 17 anos. 

Aí revelou a Nirlando um segredo até então bem guardado: Xuxa era virgem nessa época. Pelé não elaborou o assunto, mas deu a entender que só viria a namorá-la de fato tempos depois, quando havia uma amizade entre os dois e Xuxa se acostumara a procurá-lo, pessoalmente ou por telefone, para conversar e pedir conselhos. 

O fato é que a certa altura começou um namoro de celebridades que ocupou manchetes durante anos. Quando Nirlando entrevistou Pelé para o perfil, o casal estava junto há quase cinco anos. Mesmo assim, com grande naturalidade, Pelé, enquanto Xuxa estava no Brasil, mantinha seu intenso ritmo de relacionamentos breves com outras, com muitas mulheres. 

Como narrou Nirlando, em sua prosa elegante: “Pelé é um desbravador das noites, das louras vaporosas, dos amores secretos, das incansáveis badalações do jet set”…

É a vez de Xuxa falar. Depois da separação, ela considerava Pelé “pequeno”. 
E detestava o pé do Rei

Aquela reunião de 1985 de certa forma repercutiria 11 anos depois. Estando eu já na direção de Playboy, diz Setti, conseguimos para a edição de 21º aniversário, em agosto de 1996, uma rara, longa e reveladora entrevista de Xuxa – a segunda que ela concedia à revista. Conferimos a missão ao editor contribuinte Guilherme Cunha Pinto, amigo querido que infelizmente teria, como Mário de Andrade, morte súbita e prematura, antes de a entrevista ir às bancas. 

Nessa época já uma celebridade estelar, Xuxa, como não poderia deixar de ser, foi perguntada sobre Pelé. E mostrou-se claramente revoltada com o fato de o Rei haver revelado sua condição de virgem quando se conheceram. 

De todo modo, na entrevista de Xuxa a Guilherme Cunha Pinto em 1996 o tema veio à tona, junto com uma avaliação bastante rigorosa da estrela a respeito de seu namorado durante mais de cinco anos. 

Confira o trecho abaixo da conversa entre Xuxa e Guilherme Cunha Pinto:

PLAYBOY – Sabe uma impressão que fica? Que uma pessoa comum nunca vai ter chance com você. Pensando nos seus namorados, ou são celebridades, como Pelé e Ayton Senna, ou modelos de beleza, como esse rapaz [referia-se ao então modelo Luciano Szafir, que tempos mais tarde seria pai de sua filha, Sasha]. É isso? 

XUXA – Não, não é. As coisas simplesmente aconteceram. O encontro com o Pelé foi por acaso, a gente se conheceu numa fotografia que fui fazer. E no caso do Ayrton foi ele que buscou, de todas as maneiras, chegar perto de mim. Eu me apaixonei por duas figuras conhecidas, mas pode pintar qualquer pessoa. 

PLAYBOY – A aparência não é importante? Se não for um sujeito bonitão… 

XUXA – E tu acha o Pelé bonitão? 

PLAYBOY – [Confuso.] O Pelé? 

XUXA – Na época eu achava ele o máximo! Lindo. Mas já achava e continuo achando o pé dele horrível. O resto eu achava maravilhoso. Entendeu? 

PLAYBOY – Você não gosta dos pés do Pelé? 

XUXA – São horríveis. 

PLAYBOY – Aqueles pés que fizeram… 

XUXA – Horríveis. Parecem garras. 

PLAYBOY – Aqueles pés ganharam três Copas do Mundo! 

XUXA – Uma mulher que gosta de pé não pode olhar para o pé dele. 

PLAYBOY – Você deve ser a única pessoa do mundo que não admira os pés do Pelé. 

XUXA – Eu dizia para ele: “Se um dia tu arrumar uma namorada que tenha tara por pé, tu tem de ficar de meia”. Você não viu o pé dele [risos.] 

PLAYBOY – Você e o Pelé namoraram durante seis anos, no começo da sua carreira. Agora faz tempo que não se falam? 

XUXA – [Séria.] Eu não falo mais com ele. Faz tempo, já. 

PLAYBOY – Foi por causa da entrevista que ele deu para PLAYBOY três anos atrás? [Nessa entrevista, em meio a diversos outros comentário e afirmações sobre Xuxa, Pelé disse que ela teria revelado ser virgem quando os dois se conheceram, no início da década de 80. E que a teria aconselhado a “resolver esse problema” antes de se envolver com ele.] 

XUXA – Não. Foi por uma série de coisas que aconteceram. 

PLAYBOY – Mas e o que ele falou na entrevista? 

XUXA – O Pelé faz parte da minha história e eu faço parte da história dele, mas acho que isso era uma coisa que não deveria ser dita, porque se alguém teria de falar seria eu. Ficou uma coisa grotesca. E, já que ele resolveu falar, que falasse a verdade. Quando a gente se conheceu, ele não sabia que eu era – eu não me apresentava às pessoas e dizia: ”Olá, meu nome é Xuxa, eu sou virgem”. Eu era virgem, mas ele só foi descobrir depois, quando a gente já estava junto. 

PLAYBOY – Você teria dito, depois dessa entrevista do Pelé, que se por acaso se apaixonasse de novo por um rei, não seria um rei tão pequeno como ele. A raiva continua tão grande? 

XUXA – Vamos dizer assim: tive momentos bons e ruins com ele. Às vezes, a gente aprende muito mais errando. E eu aprendi muito com ele. Hoje, não poderia ficar com uma pessoa tão pequena. 

PLAYBOY – Pequena em que sentido, precisamente? 

XUXA – É aqui [apontando a cabeça.] Saem coisas que, às vezes, não dá para entender. Dá o microfone para ele falar, que você vai sentir, vai ouvir. Ele é pequeno. Mas faz parte, fez parte da minha vida. Não posso negar isso, nunca. 

PLAYBOY – Numa certa medida ele apresentou o mundo para você, não foi? 

XUXA – Ele me apresentou muita coisa. Muita coisa boa, também. Um ponto que o Pelé tinha de legal é que queria me ver crescendo profissionalmente. Mas talvez não soubesse que eu teria tantas oportunidades. Uma vez ele disse para mim: “Nunca queira ser a melhor. Porque é muito difícil ser o primeiro”. Quando eu quis sair da [extinta Rede] Manchete [de Televisão] para ir para a Globo, ele disse: “Não faça isso. Não queira. Você vai ter de provar que é a melhor todo dia”. Pois hoje posso dizer que é muito bom ser a melhor. Não gostaria de ser a segunda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário